The Thin Red Line

Não me peçam soluções. Não as possuo. Mas também não me peçam para combater ódio com ódio.

«Esta maldade imensa. De onde terá vindo? Como é que se imiscuiu no mundo? De que semente, de que raiz é que cresceu? Quem é que está a fazer isto? Quem é que nos está a matar? A roubar-nos a vida e a luz. A zombar de nós com a visão daquilo que podíamos ter conhecido. Será que a nossa própria ruína beneficia a terra? Será que ajuda a erva a crescer ou o sol a brilhar? Será que também tens em ti esta escuridão? Conseguiste atravessar esta noite?»
The Thin Red Line (1998), de Terrence Malick

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O ciclo «Revolução Paraíso»

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No dia 25 de Abril de 2016, voltei a participar numa sessão em redor do meu romance «Revolução Paraíso». A sessão em Ourém, no âmbito da Feira do Livro local, teve a sua peculiaridade. O presidente da Câmara fez questão de assistir à atuação do coro, a anteceder a sessão literária; depois fez um pequeno discurso e foi-se embora. Não me cumprimentou, mas o que retive foi o desinteresse do presidente (bem como dos jovens do coro que, após cantarem, fecharam as suas pastas com pautas e também se foram embora), em falar sobre a nossa Revolução dos Cravos. E porque foi sempre disso que se falou nas sessões em volta do «Revolução Paraíso», mais do que do próprio livro, foi disso que se falou em Ourém. Devíamos ser, ao todo, uma dúzia de pessoas. Prescindimos do palanque, colocámos as cadeiras junto ao auditório, e ouvimos as histórias das pessoas ali presentes.

O «Revolução Paraíso» funcionou sempre como um pretexto para a partilha de memórias do antes e do pós 25 de Abril de 1974. Guardo esses momentos, tal como as presenças na Feira do Livro de Lisboa, como preciosidades. Mas o meu primeiro romance publicado deu-me também amargos de boca. Principalmente dois.

O primeiro começou quando um dia, assim do nada, fui contactado por um realizador português. Ele tinha gostado tanto do meu romance que queria adaptá-lo ao cinema; eu já tinha visto filmes dele pelo que fiquei nas nuvens. Encontrámo-nos, bebemos um café, falámos sobre o livro, a possível adaptação, a crise no nosso país, as dificuldades de fazer cinema em Portugal. Ainda assim, começámos a trabalhar o argumento. Pela quantidade de personagens e período abrangido, o «Revolução Paraíso» prestava-se a ser um filme longo; porém, era preciso reduzir, comprimir, esquartejar, para que a adaptação se tornasse viável. Assim o fiz. Vieram então os silêncios e os hiatos comunicacionais. Veio então o linfoma e os tratamentos. E depois, regressou em força a teimosia e a vontade de tornar o meu romance num filme. Inspirei fundo e, num segundo fôlego, recuperei o projeto. Reuni-me outra vez com o realizador e combinou-se cortar ainda mais. Assim o fiz. Enviei o novo esqueleto de argumento e lá veio novo hiato comunicacional. Descrente, obriguei-me, finalmente, a enterrar definitivamente o projeto de adaptação.

O segundo amargo de boca reside no facto de não ter ido a uma única escola para falar sobre o «Revolução Paraíso». Nem uma só escola se interessou por um livro cheio de informações factuais, retiradas da imprensa da época, sobre o pós-25 de Abril. A minha perplexidade nunca incidiu, obviamente, em mim como autor; a estranheza referiu-se sempre ao desinteresse em debater esse pedaço de história do nosso país com os mais jovens. Pergunto-me: será ainda assim tão cedo? Ou, pelo contrário, já será assim tão tarde?

A sessão de Ourém, com a honrosa exceção dos participantes, acabou por representar o desapego geral sobre este nosso passado recente. A Revolução dos Cravos é ótima para florescer num feriado ou num cravo na lapela, mas no dia seguinte já murchou tudo num tédio insuportável, num silêncio generalizado ou numa barra de dinamite intocável. Poucos querem saber do antes e do depois, da véspera e do dia seguinte. Talvez por isso, senti a sessão de Ourém como um canto do cisne do «Revolução Paraíso», um livro que passou ao lado do que poderia ter sido. Senti que me despedia da editora que me publicou o primeiro romance e, principalmente, das pessoas que me tinham acompanhado e acarinhado mais de perto durante cerca de três anos. Senti que terminava um ciclo que se calhar até já tinha terminado antes e, inevitavelmente, senti tristeza e nostalgia.

Este ano, pela primeira vez desde 2013, não estarei como autor na feira do livro de Lisboa. Mas estarei como leitor, para abraçar ou beijar a gente que se tornou amiga, apertar a mão a gente que se tornou conhecida, cumprimentar desconhecidos que talvez venham a tornar-se gente conhecida ou até amiga. Depois, em setembro, lanço um novo livro, numa nova chancela, com uma nova editora que lê – e comenta e corrige e sugere – os meus manuscritos, página por página, linha por linha, palavra por palavra. Estou ansioso e entusiasmado por ver o que este novo ciclo me irá trazer (e a palavra “ciclo” assume aqui toda a propriedade). Até lá, resta-me agradecer ao «Revolução Paraíso», por tudo o que me trouxe de concreto, mas também pelos sonhos que ficaram por concretizar. Afinal, real e fictício, cumprido e irrealizado, assentam com perfeição no tema do romance e em personagens como Eva do Paraíso, mulher tão utópica quanto verdadeira. Fizemos uma bela viagem. E até somos capazes de nos ir reencontrando, enquanto o nosso 25 de Abril de 1974 continuar a ser comemorado. Para sempre, espero eu. E não propriamente por causa do meu livro.

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País devoluto

E ele pensou: e se desmantelasse, tijolo por tijolo, todos os edifícios abandonados, para os reconstruir, viga por viga, num lugar vazio? Que se formaria com o ajuntamento de todas as casas, armazéns, fábricas, hospitais devolutos: uma aldeia, uma vila, uma cidade, uma capital? E os fantasmas dessas ruínas, saberiam ir ter às novas moradas?

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Cormac McCarthy em «A estrada»

«Quando finalmente tivermos morrido todos, então não restará ninguém aqui na terra a não ser a morte, e também ela terá os dias contados. Andará a calcorrear a estrada de um lado para o outro, sem nada para fazer e sem ninguém que lhe sirva de vítima. Dirá: para onde é que foi toda a gente? E é assim que as coisas acontecerão. Qual é o mal?»

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Bowie escolar

Inglês. O seu nome verdadeiro é David Jones, mas adoptou o nome artístico David BOWIE.
Apareceu como «star» em 1973 e, a partir daí, a sua ascensão foi vertiginosa, até pelo facto de ter conquistado e impressionado profundamente o público dos Estados Unidos. Em espectáculo, é o mais excêntrico possível, tanto na vestimenta, como na pintura. É, normalmente, acompanhado pela mulher.
A crítica mundial disse, em 1993: «É o artista mais importante que apareceu nesta década.»
Tem conjunto privativo e coros.
Os seus maiores sucessos são: «Aladdin Sane» e «The Man who Sold the World»

[Caderno escolar Ambar, colecção Pop música, circa-1977; transcrição do texto da contra-capa]

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Cristina Drios em «Os olhos de Tirésias»

«Cumprimentámo-nos, passando a ser dois a tentar, numa cumplicidade instantânea, abrir o chapéu. Perguntar-me-ão, porquê contar isto, este pequeno episódio sem importância, duas pessoas acabam de se conhecer e imediatamente se dedicam a um objectivo comum, o de abrir um chapéu-de-sol encravado, numa displicente sintonia? Dir-vos-ei – isso, sim, é a minha única certeza – que as coisas sem importância aparente, quase irrelevantes no castelo de cartas da nossas vidas, são aquelas que têm um verdadeiro significado.»

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O farol de Bruxelas

Durante a minha viagem de volta ao mundo, travei amizade com um casal belga. Os anos passaram, mas mantive um contato espaçado com o Marc. Ainda não consegui ir a Bruxelas, mas eles já vieram a Lisboa, ficando hospedados na minha casa. Após os atentados recentes, enviei um email ao Marc a perguntar como se estavam a aguentar. Ele respondeu que viviam sentimentos díspares. Por um lado, estavam chocados com o terrorismo à beira de casa; por outro, estavam eufóricos por, finalmente, terem obtido permissão para se deslocarem ao Uganda e finalizar o processo de adoção que se arrasta há anos.

Também por causa do terrorismo, subitamente, os canais de adoção entre países ficaram suspensos ou fechados. Mas aqueles dois belgas não desistiram. E insistiram tanto, chatearam tanto, reivindicaram tanto, que conseguiram vencer todas as burocracias, todos os medos, todas as xenofobias. A história deles representa a flor no meio do deserto, o farol no meio da escuridão. Num mundo de desconfianças entre raças e religiões, eles contrariaram e confrontaram os preconceitos para se poderem dedicar a amar uma criança. Eu já conheço o nome e a fotografia da menina. E sei que ela, após um princípio de vida terrível, passará a ser a menina mais feliz e sortuda do mundo, no preciso momento em que eles a abraçarem.

Mais do que nunca, quero ir a Bruxelas. Para dar três pares de beijos, em vez de dois.

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Vulcão dos Capelinhos, Faial, Açores.

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Ganso assustador

Após um jantar esquecível (com direito a arroz cru de pato), passeio de mão dada com a Isabel no Parque das Termas, em Vizela. Faz frio. Não se avista vivalma, mas ouvem-se vozes saídas da escuridão. Um lago com neblina transporta-nos para um cenário saído de um conto fantástico. Ela sabe que eu fujo dos filmes de terror. Ela sabe que eu não leio Stephen King.
– Vou-te contar uma história assustadora… – diz ela, no seu tom provocador, enquanto me aperta ainda mais a mão.
Nesse mesmo instante, o grasnar de um ganso ecoa pelo parque. Dou um pulo. Estremeço. Até posso não ter medo da morte. Mas não me metam sustos, que ainda morro por causa deles.

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Chimamanda Ngozi Adichie em «Meio sol amarelo»

«Agora, porém, sentia-se abandonado. A sua admiração assentara no facto de ela ser inatingível, era uma adoração à distância, mas agora que provara o sabor a vinho na língua dela, que a abraçara com tanta força que também ele ficara a cheirar a coco, sentia um estranho sentimento de perda. Perdera a sua fantasia.»

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Dia das minhas mulheres (e das outras)

Dizem que fazem falta mulheres nos lugares de decisão para que possamos ter um mundo melhor. Sim, faltam. Mas só se continuarem a ser mulheres. Se quiserem ser como os homens, ou precisarem dessa semelhança para lá chegarem, de que servirá? Sim, lutar pela igualdade em muitas matérias. Mas, por favor, continuem a ser diferentes dos homens. Não foram mulheres que declararam guerras. Não foram mulheres que criaram campos de concentração. Não foram mulheres que se tornaram assassinas em série. Não foram mulheres que violaram em grupo. Não foram mulheres que aterraram, perseguiram, bateram, assassinaram os companheiros.

Certo, às vezes, as mulheres também matam. E como a sociedade – dos homens mas também muito das mulheres – é célere a condenar as culpadas! As mulheres, no crime, no deslize, no comportamento, nunca têm atenuantes. Um homem que trai a mulher? Ora, então se ele é homem… Um homem que bate na mulher? Pois, já se sabe como eles são… Um homem que abandona os filhos? Oh, via-se que ele não era feito para aquilo… Mas quando é uma mulher? Então, chovem juízos, humilhações, injúrias. Chovem pedras. Até fazer sangue. Até matar. Até suicidar. E eu pergunto: querem mesmo ser como os homens?
Precisamos de mulheres que sejam mulheres. Porque ser mulher não é ser frágil. É, em grande parte, ter a capacidade de propagar aquilo onde os homens tanto falham: amor, dedicação, ternura. Talvez até tolerância, quando não se revelam as mais intolerantes perante as outras mulheres que falham ou resvalam do padrão.

Eu sou um produto matriarcal. Na minha família, as mulheres foram e são mais e melhores modelos do que os homens, embora também haja um ou outro caso masculino que caiba na gaveta das referências. E é por isso que, neste dia internacional da mulher, eu me sinto um privilegiado por ter sido criado por uma avó extraordinária, por ter conhecido mais uma ou outra mulher de exceção, e por a minha família, a família que eu ando a ajudar a construir, ser composta por uma mulher e três meninas. Estar rodeado de mulheres faz de mim um homem melhor. E, acredito, o mesmo poderia acontecer com o mundo.

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